domingo, 17 de junho de 2007

Sem qualquer indenização






Fotos: Evangelista Rocha/Especial para o BO
















Manoel, o Manu,transportou o corpo de André Grabois, guerrilheiro ferido em 1973



Marabá — Mais de 30 anos depois do fim da guerrilha do Araguaia, um grupo de 200 posseiros, mateiros, pequenos agricultores e moradores da região reivindica na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça indenização pelas torturas, prisões e prejuízos que sofreram na época. No pedido, alegam que foram forçados a servir de guias às Forças Armadas. Alguns tiveram suas famílias presas, com o intuito de constrangê-los a mostrar os acampamentos de treinamentos militares organizados pelo PCdoB, na área entre os rios Tocantins e Araguaia, Sudeste do Pará.

Segundo relato dos mateiros, alguns posseiros e guias morreram depois de torturados nas bases móveis que o Exército instalou em várias fazendas da região. O agricultor Osvaldo Pires Costa, de 66 anos, foi preso e levado a uma dessas bases, onde diz que apanhou e foi pendurado de cabeça para baixo, em um buraco. Vivendo no Distrito de São José, zona rural de Brejo Grande do Araguaia, ele lembra: “Levei taca (surra) umas duas horas e fiquei pendurado, com as mãos dormentes”. Segundo ele, os militares enterraram os ossos de guerrilheiros na Fazenda Bacaba.

Raimundo Nonato dos Santos, de 77, é conhecido como Peixinho e esteve no centro dos combates. Perdeu porcos, patos, galinhas e uma chácara com frutas e legumes plantados. “Me corta o coração falar desse assunto”, diz ele, que chama os antigos guerrilheiros de o povo da mata. Obrigado pelo Exército, localizou Hélio Luiz Navarro de Magalhães, conhecido como Edinho, preso e ferido em março de 1974. Peixinho também testemunhou o combate envolvendo Sônia, codinome de Lúcia Maria de Souza, em outubro de 19 73. Quando ela entrou na casa do mateiro, se defrontou com a patrulha do então major Curió e do coronel Lício. Foi metralhada, depois de balear gravemente os dois oficiais.


Jeremias, na Vila Oito Barracas, onde teria sido enterrada Helenira Nazareth, a Fátima

O relacionamento simpático entre guerrilheiros e posseiros levou os militares a desconfiar que os agricultores acobertavam os “paulistas”, daí ameaças, prisões e torturas. Dona Maria de Nazaré foi comadre da guerrilheira Criméia Almeida. A agricultora vive na miséria, morando em casa com chão de barro batido. O marido, também compadre de guerrilheiros sem saber de quem se tratavam, desapareceu depois de ficar com graves problemas mentais. Alguns mateiros e moradores da região morreram depois de torturados, mas nem o Estado nem as Forças Armadas reconheceram oficialmente estas mortes . Outros ficaram com seqüelas físicas e psicológicas, como Frederico Lopes, que tem mais de 80 anos e é paraplégico, porque quebrou a coluna vertebral depois de apanhar dos oficiais. O agricultor aposentado Severino Antônio Silva, de 83, afirma: “Fomos obrigados pelos dois lados. O Exército nos forçava a descobrir os guerrilheiros, que também nos ameaçavam.” (LR)


Escavações em locais errados

Escavações em locais errados

Raimundo Melo









Osvaldo: Levei taca (surra) umas duas horas e fiquei pendurado, com as mãos dormentes



Marabá – Outro local apontado pelos mateiros como cemitério clandestino é a área em frente à sede da Fazenda Bacaba, às margens da rodovia Transamazônica, no município de São Domingos do Araguaia. Na ocasião, o Exército instalou ali uma das suas principais bases de operação. Segundo os mateiros, no outro lado da estrada, em frente à entrada da fazenda, funcionava a pista de pouso, onde devem ter sido enterrados corpos de guerrilheiros. Até hoje, no pasto existem os alicerces dos alojamentos do Exército.

O ex-recruta Raimundo Melo serviu na base e lembra que no local ficaram presos, além dos guerrilheiros, os posseiros e suas famílias, suspeitos de colaborarem com a guerrilha. O agricultor e hoje pequeno comerciante Manoel Leal Lima, de 70 anos, aponta dois outros locais onde corpos de guerrilheiros também teriam sido enterrados. O primeiro é no Centro do Caçador, na vila conhecida como Oito Barracas, em uma estrada vicinal transversal à Transamazônica, no pasto do fazendeiro José Laurentino, às margens do igarapé Taurizinho.

Segundo o agricultor, lá foi enterrada a guerrilheira Fátima, cujo nome real era Helenira Resende de Souza Nazareth, morta em 1972. No terreno não há cruzes. Mas Manoel mostrou vestígios de uma cova. O agricultor Olímpio Pereira Silva, que mora ao lado da suposta sepultura, garante que ali ainda está o corpo da militante. Ele conta que, no dia do sepultamento, colocou folhas de palmeira sobre a cova. Em setembro do ano passado, uma missão do Ministério da Justiça foi ao local acompanhado do agricultor, para verificar as condições da cova

.Manoel, que é conhecido como Manu, foi um dos principais guias do Exército. E também de maior confiança. Ele ficou encarregado de transportar os corpos dos guerrilheiros José Carlos, codinome de André Grabois, desaparecido desde outubro de 1973; Zebão, nome fictício de João Gualberto Calatrone, desaparecido em 1973; e de Antônio Alfredo de Lima, morto em outubro do mesmo ano. “Eu enterrei os três guerrilheiros aqui, na mesma cova”, garante Manu, apontando para o terreno onde os revoltosos tinham construído uma casa. Neste local, a viúva de José Carlos, Criméia Almeida fez buscas há cerca de cinco anos, mas nada encontrou.

O mateiro afirma que as escavações foram feitas em local errado. Outra escavação, autorizada pelo então ministro Nilmário Miranda, da Secretaria dos Direitos Humanos, foi feita em Xambioá, mas nada também foi encontrado. O governo instituiu um banco de DNA de parentes dos 63 mortos e garante que está preparado para comprovar ou não a identidade dos guerrilheiros. Segundo fontes militares, as Forças Armadas realizaram uma última ação para apagar os vestígios dos combates, chamada de operação limpeza. Há suspeitas de que alguns corpos de chefes da guerrilha foram levados à Serra das Andorinhas, também na região, e incinerados. A Secretaria dos Direitos Humanos tinha programado, para o mês que vem, a busca final de ossadas. Mas adiou a iniciativa, sem explicações. (LR e ES)